Thiago Silva do Rosário
Leituras
clássicas da historiografia nos mostram que a Europa no processo de expansão
ultra marítima desejava, sobretudo, fazer contato direto com o mundo oriental
tendo em vista o comércio preciosíssimo de especiarias, que até então era feita
por intermédio de árabes. As literaturas clássicas sobre o assunto, como Caio
Prado Júnior na sua obra “História econômica do Brasil”, nos aponta que até a
segunda metade do século XV somente Portugal e Espanha conseguiram condições de
navegar para além da costa europeia.
O
mesmo autor ainda nos mostra que Portugal saiu na frente, contornando o
continente africano em direção ao mundo oriental, e com o mesmo objetivo
Espanha saiu direto pelo oceano Atlântico com a intenção de contornar o globo
terrestre, mas se deparou em terras, até então desconhecidas ao mundo europeu,
a qual denominaram, posteriormente, por América. Portanto, entre os séculos XV
e XVI, dois mundos distantes e diferentes foram acessados por um outro mundo,
tão diferente e distante quanto.
Até
meados do século XIV a maior parte dos esforços ainda estava em alcançar o
mercado oriental, mesmo com a chegada na América, pois quem movimentava as
navegações não eram produtores, e sim mercadores, e o que eles encontraram ao
chegar no mundo oriental, mais precisamente na China, foi além do que esperavam
e pensavam existir. Serge Gruzinski, em seu livro “A águia e o dragão: ambições
europeias e mundialização no século XVI” nos aponta alguns motivos de tais
fascinações:
O
Império Chinês, ou melhor, sem usar uma categoria política europeia que não
consegue dar conta da complexidade que é, o Mundo Chinês. Sua história remonta
ao terceiro milênio antes da era cristã, além de estranha à trajetória do
monoteísmo judaico-cristão e à herança política, jurídica e filosófica
greco-romana, mesmo que não tenha vivido voltados pra si e isolados, tanto é que
faziam contatos e permutas culturais com civilizações das circunvizinhanças,
como os árabes.
Além
do mais, os chineses escrevem pelo menos a 3 mil anos antes, assim como
desenvolveram uma produção gráfica que facilitou a impressão e a reimpressão de
obras importantes para o funcionamento do Estado de maneira mais complexa. A grande
difusão da leitura deu suporte para tamanho desenvolvimento de uma sociedade
com tamanha complexidade econômica, política, jurídica e social.
Era
habitado por mais de 100 milhões, talvez 130 milhões de pessoas, numa colossal máquina
administrativa e judiciária, com uma prática de séculos, controladas por
diversos tipos de agentes de Estado, com número em torno de 120 mil cargos mais
relevantes, apesar de ser uma drenagem lubrificada à corrupção, como toda
grande administração.
Um
mundo de grandes comerciantes de grãos, seda, chá, porcelanas se beneficiavam
de uma rede de estradas, de um sistema de estações de muda, de uma malha de
canais e pontes com densidade e eficácia surpreendentes para a época, em
comparação com o que a Europa oferecia. Além do eficiente transporte a cavalos,
palequins, barcos de fundo chato percorrerem o país e a qualidade das estradas
e pontes, de cantaria ou flutuante, as plantações a perder de vista fascinavam
os europeus, que não acreditavam no que viam.
Portanto,
a visão eurocêntrica de supremacia civilizatória em que se ancorou o processo
de colonização europeia pós século XV não deu conta de subjugar uma civilização
tão poderosa e desenvolvida como o Mundo Chinês. O contato com esse mundo tão
exótico à Europa se limitou a consulados que promoviam comércios, claro que com
algumas exceções. É visto que ainda hoje o mundo se divida entre dois grandes
eixos culturais (Ocidental e Oriental), apesar de tamanha globalização e
relações humanas em todos os seus aspectos, e, contudo, o que era dois mundos
estranhos no século XV, ainda de certa forma é no XXI.
Referências
bibliográficas
GRUZINSKI, Serge. A águia e o dragão: ambições
europeias e mundialização no século XVI. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.
PRADO JR., Caio. História econômica do Brasil. São
Paulo: Brasiliense, 1984.